Esta SUPER-EU era, contudo, uma mulher extraordinária: sempre entusiasta, sempre prestável, sempre disponível, sempre surpreendente. Todos gostavam imenso dela, dos mesmo amigos (?) aos colegas, aos vagamente conhecidos. E todos eram muitíssimos e cresciam proporcionalmente à dádiva da Super-eu, constante e interminável. A pouco e pouco, a Super-eu começou a sentir um cansaço quotidiano que nem a dormir passava e a depressão latente em que a Super-eu vivia agravou-se a um tal ponto que adoeci gravemente.
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A SUPER-EU, com as devidas desculpas à Barbie. |
Com a terapia, percebi então que a SUPER-EU e a Euzinha eram as duas eu própria: a Super-eu só tinha aliás uma existência tão ativa e dedicada à custa do sofrimento de uma Euzinha cada vez mais monstruosa e em sofrimento. A pouco e pouco a Super-eu começou a perceber que, inconscientemente, media o seu próprio valor com base nas manifestações de carinho, de gratidão e de interesse de todos quantos a rodeavam. E fazia-o à custa de se ignorar sistematicamente ao ponto de se anular a si mesma e de ignorar tudo o que desejava: e fora aí que nascera Euzinha!
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A Euzinha. |
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Sonhos, Akira Kurosava |
Na realidade não era bem uma criança, era uma menina em miniatura, tão frágil como uma planta demasiado esguia, e tão doente que era impossível que resistisse muito tempo à desumanidade daquele lugar. Quando percebi que ali jamais a iriam salvar de uma morte certa, decidi fugir com ela. Vesti-me a custo, embrulhei-a numa manta e, mesmo sentindo-me sem forças e aterrorizada, consegui sair do hospital sem que ninguém desse conta de nada.
Dali fui ao encontro das minhas irmãs e dos meus sobrinhos: todos nos rodearam com muito amor e carinho e todos queriam ver a menina e brincar com ela. Eu tinha medo que ela não se conseguisse manter de pé e que eles, sem querer, a magoassem. Expliquei-lhes que tínhamos de ter muito cuidado porque ela estava muito doente. Contudo, como percebi que também ela queria brincar, coloquei-a delicadamente no chão e, para meu enorme espanto, ela era agora uma criança de cerca de 5 anos de idade que caminhava hesitante mas decididamente. Via-se bem que estava feliz! Tanto que sorria para mim como eu para ela e ambas começámos a andar em direção às brincadeiras das outras crianças.
A interpretação psicoterapeutica deste sonho permitiu-me perceber que eu já não me encontrava cindida em duas e que o processo de cura se tinha iniciado. No sonho, eu era eu, mas já não a Super-eu. Esta estava aliás frágil e doente, mas determinada em salvar-me, tanto à Super-eu como à Euzinha. A Super-eu tinha revelado a sua força na fragilidade mais absoluta, do mesmo modo que a Euzinha deixara de ser monstruosa e enraivecida. No final do sonho, sorriamo-nos mutuamente e caminhávamos em direção a... viver!
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Samsara: morte e renascimento da consciência. |
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