sábado, 1 de novembro de 2014

Surpreendentemente, como só nós, humanos: o culto dos mortos para celebrar a vida!

O culto dos mortos é uma das manifestações espirituais ritualizadas mais antigas e encontra-se presente, desde os tempos mais remotos da nossa espécie, em todas os continentes. Com efeito, a força vívida desta comunhão entre as pessoas e os seus antepassados, ultrapassa em muito uma mera manifestação mística. Porque o objectivo desta reunião sacralizada de vivos e mortos é na realidade uma celebração da vida. A vida que ganha um sentido maior perante a inevitabilidade da morte, do fim da vida como a conhecemos, e para muitos o princípio do vazio, do nada.

Monumento funerário do Neolítico em Portugal (Fornos de Algodres).
As origens mais remotas desta celebração explicam-na como um conjunto de rituais que marca o princípio do Inverno, dos tempos de frio e de fome, das noites escuríssimas e intermináveis. De entre esses rituais, constava a comunhão de diversos alimentos à luz de velas e lanternas, por forma a afugentar o medo e a escuridão. Os mortos não eram esquecidos. Eram convidados de honra. 

Segundo a UNESCO, a propósito da comemoração do Dia dos Mortos no México, este culto desempenha a função social de afirmação do lugar do indivíduo no seio da sua comunidade, transmitindo-lhe um sentido de pertença e contribuindo para a coesão da identidade colectiva. Quanto a mim, é esta força, tão emocional quanto cultural, que explica como, ao longo da história da humanidade, as diversas religiões dominantes foram sistematicamente integrando as celebrações ancestrais, pagãs e animistas, da celebração dos mortos de uma comunidade.


Celebração do Dia de Finados.
Transmutada presentemente em Halloween, a noite da celebração da morte em Portugal assume-se agora como uma noite de brincadeiras, mascaradas e de jogos de sustos, sobressaltos, surpresas. Aliviados por muitas gargalhadas e brincadeiras mais ou menos infantis. E, contudo, não deixa por isso de ser ainda uma celebração da morte, mesmo que sob a forma de desafio de crianças, que a sociedade de consumo evidentemente explora

E o nosso Dia de finados, que há muito se confunde com o Dia de Todo-os- Santos, tem ainda força suficiente para movimentar uma visita massiva dos portugueses aos túmulos dos seus mortos. Numa sociedade em que a morte é renegada como um tabu para um lugar o mais distante possível da vida, e com tudo o que de superficial estas derivações do culto ancestral da morte integram, vivê-las só nos pode com certeza fazer bem.