quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Dia 143: Receita de inverno

Helado de lágrimas

Hay que ir guardando las lágrimas
durante todo el invierno en dos frasquitos.
En uno pondremos las lágrimas del llanto;
en otro, las de la risa.
No os fiéis de los que venden en las heladerías;
son de lágrimas falsas, importadas de Egipto,
lágrimas de cocodrilo.
Mejores son las caseras:
las de la abuela cuando cumple años,
o las de papá cuando corta cebolla.
Batir luego con azúcar
y aguardar a que cuajen
en el congelador.
El helado de lágrimas de risa
sabe a sombrilla mandarina.
El de lágrimas de llanto,
a flor de penumbra.

in Sopa de sueño y otras recetas de cococina





José Antonio Ramírez Lozano
Nogales, Badajoz, 1950
Poeta, romancista, narrador y profesor de literatura en Educación Secundaria. Es autor de libros de narrativa, de poesía y de literatura juvenil. A lo largo de su prolífica obra literaria ha recibido más de una veintena premios literarios, entre los quales el Juan Ramón Jiménez 1984, el Rafael Alberti, el Premio Nacional de Poesía José Hierro 2004 y el Premio Lazarillo 2011.




domingo, 3 de fevereiro de 2013

Dia 125: Aprender a viver a morte

Choveu muito nas últimas semanas. Uma chuva fria de inverno, umas vezes miudinha, outras torrencialmente num temporal medonho que afetou a vida de muitas populações. Sem luz nem gás durante dias e dias, todos nos interrogámos como podia isto estar a suceder num país europeu em que a companhia de eletricidade apresenta lucros anuais de milhões de euros...


Vídeo aqui.
Não é possível viver indiferente a um tempo de chuva e o frio que acontece a par da crise em que vivemos: milhares de pessoas sem emprego e sem casa. Pessoas de sessenta e setenta anos que se vêm obrigadas, no fim da vida, a reconstrui-la: a mudar para casa minúsculas, arrastando consigo sacos de plástico e malas atadas com cordas; ou a albergar filhos e netos nas suas casas demasiado pequenas para tantos. E, sobretudo, sem perspetivas de mudança futura, sem um fim melhor à vista, sem um plano de reorganização da vida.

Foi nestas duas últimas semanas que a minha cadelinha adoeceu. Começou a coxear e pensei que tivesse torcido uma pata. A minha Misty era já velhinha quando a adotei. Conhecia-a no canil. Apática e triste, não comia e as senhoras do canil disseram-me que ela não tinha vontade de viver. Tinha 10 anos, dois sopros cardíacos, cataratas e uns quistos mamários que deveriam ser operados. Era um dia de sol de inverno e quando fomos as duas dar uma voltadei-me logo conta da sua personalidade independente e contudo atenta: passeou comigo, cheirou todos os cheiros das ervas e das pedras do caminho e manteve-se sempre junto de mim, sem pedir festas e só resistindo a voltar para o canil.


Fiquei com ela nesse mesmo dia! A pouco e pouco, revelou-me um amor incondicional, como só os animais sabem oferecer. Manteve-se sempre independente, sem nunca pedir nada: nem festas, nem comida, e só avisava quando precisava de ir à rua. Deveria ter sido muito magoada, porque quase perdera a alegria de viver. Não ladrava nunca. Quando eu chegava a casa, corria como podia até mim, com a cauda a abanar ligeiramente e parava a meio metro de mim, contemplando-me com os seus olhos meigos que já pouco viam. Deixava sempre comigo a iniciativa de lhe fazer festas e lhe dar mimos.

Depois de ter sido operada duas vezes, a nossa relação fortaleceu-se enormemente. A Mimi era uma resistente, uma lutadora e recobrou sempre das intervenções cirúrgicas com coragem e tranquilidade. Sempre tive cães em casa dos meus pais, mas ela foi primeira cadela inteiramente da minha responsabilidade, muito embora o meu filho, que também lhe queria muito, me ajudasse. Aos poucos, a Nitinha tornou-se a minha sombra cá em casa. Dormia ao fundo da minha cama, e o suspiro largo com que sempre adormecia, depois de se aninhar sobre os meus pés, era para mim um sinal (e um conforto) da felicidade em que vivia connosco.


Ainda o tratamento da pata não tinha terminado, quando ela desmaiou de manhã cedo na cozinha, Aquecemo-la, demos-lhe um banho quente, embrulhamo-la numa manta. Não voltou a si, o que foi uma benção porque gemia com dores. Quando a pude levar à consulta e depois de uma bateria de exames, a veterinária declarou que nada havia a fazer. Despedi-me dela, que já não era ela, mas sim uma bichinha em estado de coma, numa outra dimensão entre a vida e a morte. Guardei comigo o lenço de flores que lhe amarrara na coleira e que agora uso eu.

A tristeza que vivemos com a morte dos que amamos é uma aprendizagem que não nos é ensinada. O culto da (impossível) eterna juventude e o repúdio da doença e da velhice que sistematicamente nos são escondidas constituem uma grave ameaça à possiblidade de vivermos uma vida boa. Porque a morte é o que de mais inevitável existe na vida e, ao não nos prepararmos para a viver enquanto parte integrante da vida, condenamo-nos a uma existência pobre e fútil. Só a morte dá o verdadeiro valor à vida, dignificando-a e festejando-a nas suas infinitas possibilidades. Como no poema de Sophia de Mello:

Pudera eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes!
     Para poder responder aos teus convites
   Suspensos na surpresa dos instantes.

Uma parte do meu coração foi com a minha Misty para o céu dos cães, onde, embora não acredite em Deus, sei que ela me guarda um lugarzinho onde me espera.




quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Dia 123: Ouvir os mais sábios: Yasuteru Yamada

Depois do desastre nuclear de Fukushima, ocorrido em 2011 no Japão, cerca de 200 idosos reformados, todos especializados em diferentes áreas, propuseram expor-se a altos níveis de radiação para que os mais novos não tivessem de o fazer. Ao ofereceram-se para se sacrificar em lugar dos seus filhos e dos filhos dos seus filhos, deram-nos uma extraordinária lição de generosidade e de vida.

Mr. Yamada, Japan 2011

De entre eles, o senhor Yamada, engenheiro reformado, afirmou então: Tenho 72 anos e uma esperança de vida de 12 a 15 anos. Mesmo que seja exposto à radiação, demoraria 20, 30 anos ou mais a desenvolver um cancro. O que significa que nós, os mais velhos, temos menos hipóteses de contrair cancro.

A imagem do Yasuteru Yamada, de 72 anos, foi uma das mais vistas em 2011, segundo o repositório Imgur, mais de um milhão de vezes!
Esta tomada de posição é considerada natural por este grupo, num país em que, segundo afirmam, a maioria dos japoneses partilha este sentimento e quer ajudar da forma que puder.

«Uma sociedade torna-se melhor quando os mais velhos plantam árvores à sombra das quais jamais se poderão sentar.»

(provérbio chinês)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Dia 113: Bem-vindo, 2013!

Olá, Ano Novo de 2013!

Obrigada por teres chegado, novinho em folha, de modo a que todos nós te possamos viver inteiramente!

Desejo a todos que todos os nossos bons projetos, tanto pessoais como profissionais, se cumpram, no que têm de melhor! E que lhes dediquemos o devido tempo, que os saibamos definir e programar e depois ajustar a par e passo,de modo a os vivermos bem.

No que respeita aos projetos profissionais, a minha meta é um post por semana no meu blogue profissional, o acompanhamento sistemático do Facebook, a partilha da principal evento que me cabe organizar no primeiro semestre do ano e a elaboração de um guia de atividades de promoção da cidadania para Bibliotecas Públicas no segundo semestre.

No que se refere a projetos pessoais, não me é possível saber se poderei levar a cabo tudo o que eu gostaria mesmo de fazer, dado que, em primeiro e em último lugar, lugar está o meu filho, um jovem adulto que está doente o que por isso pode afetar toda e qualquer planificação.

Mas depois dele, segue-se a manutenção e a reorganização da casa: para além da finalização do processo de destralhamento que tenho vindo a levar a cabo, tenho de fazer obras de manutenção que incluem pintá-la de alto a baixo.
  1. Dei início à segunda ronda de destralhamento de livros (de um total inicial de cerca de 3000) que passam depois pela uma triagem dos meus amigos e são então oferecidos a um jovem arfarrabista, cujo trabalho muito aprecio e que, por sua vez, me arranja depois os livros de que por vezes necessito.
  2. Reorganizei os armários e gavetas da cozinha, os das casas de banho e, parcialmente, o do quarto do meu filho.
  3. Ofereci o meu um radiador a gás que apenas usava na noite de Natal e vou também oferecer as duas cadeirinhas chinesas de braços, raramente usadas, o que me vai aumentar o espaço livre da sala. Se necessitar de mais assentos para algum jantar de amigos (motivo pelo qual comprei as ditas cadeirinhas), tenho um pequeno sofá art deco português no meu quarto e ainda uma pilha de almofadas grandes, cor de laranja e vermelho escuras, nas quais eu própria gosto de muito de me sentar.
 
 
Pilha de almofadas (Ikea).
Em relação ao consumo, estou cada vez mais exigente quanto ao que necessito: alimentação, saúde e higiene, o yoga e muito pouco mais. No que respeita ao vestuário, não sei ainda se irei ou não entrar no fim dos «Saldos de inverno» para comprar os poucos itens que em outubro tinha pensado comprar, já que na verdade não me são necessários. Tudo depende de eu sentir que vale a pena o esforço de os procurar e de conseguir uma boa relação qualidade preço.

No que se refere ao quotidiano, o investimento neste meu Ano sem compras, como se todas as peças do puzle da minha vida se encaixassem, é-me cada dia mais gratificante:
  1. Cozinho uma comida cada vez mais natural e tendencialmente vegetariana, embora comprada no supermercado,
  2. e levo sempre o meu almoço e o meu lanche para o trabalho.
  3. Organizei toda a minha roupa, sapatos e carteiras que guardo no meu armário de cinco portas, e estou a organizar um pequeno ármário com espelho, que me ofereceram e está no hall da zona dos quartos, para oficina de arranjos e customização de roupa.
  4. Embora tenha sempre costurado tudo à mão, ando a considerar seriamente comprar uma máquina usada, acima de tudo pelo prazer que me dá reciclar roupa e reaproveitar tecidos.
Por último, mas não em último, tenciono dedicar cada dia mais tempo às questões que se prendem com a cidania e a sustentabilidade e com a luta por uma vida cada dia mais próxima da natureza e do equilíbrio sistémico que a economia neoliberal dos países ricos tem vindo sistematicamente a destruir. Este é pois um tema e uma atitude perante a vida que tenciono desenvolver em todas as suas facetas.

Feliz 2013!

domingo, 30 de dezembro de 2012

Dia 91: 2012 em balanço

Na verdade o ano civil, pelo menos aqui no hemisfério norte, só em parte marca o nosso ritmo de vida. Desde jovem que o considero mais como a comemoração coletiva do aniversário do nosso planeta, embora saiba que se trata mais de um projeto de apenas alguns de nós, humanos. Mais prosaicamente, constitui também o marco do balanço financeiro anual das nossas vidas que o Ministério das Finanças nos solicita... obrigatoriamente. Tudo junto, a passagem de ano civil não é pois uma data de somenos importância nas nossas vidas. 

Contudo, muitas das nossas decisões de vida têm lugar no final das férias grandes do nosso verão, por volta de setembro, um tempo talvez mais apropriado para o fazer: o tempo do calor e do descanso está a terminar, sentimo-nos repousados e temos todo um novo ano de trabalho pela frente. Seja como for, em setembro ou em dezembro, ou ainda em março quando entregamos a declaração do IRS, estas datas levam-nos a realizar balanços anuais e intercalares que considero muito úteis.

Imagem retirada daqui.
Neste ano que passou, tomei resoluções importantes, a principal das quais foi a de apostar na minha especialização profissional direcionada para o desenvolvimento das bibliotecas públicas, mas fazê-lo como parte integrante de uma vida boa, no sentido ético do termo, que quero viver todos os dias, e que este blogue tenta definir. O mais difícil tem sido viver estas decisões com os constrangimentos da minha vida pessoal que em muito ultrapassam a minha vontade e até mesmo a minha força física e anímica. 

Em relação ao primeiro trimestre do meu 1º ano sem compras, devo concluir que me tem sido fácil vivê-lo, e até mesmo esta fase complicada em que vivo tem contribuído positivamente nesse sentido: acabei por simplificar mais ainda o Natal.

No que respeita às prendas, decidi-me por apenas uma por adulto: meias para os homens da família e collans para as manas. Como sempre faço, dei a cada um dos meus sobrinhos dei uma nota de euros, a mais pequena, devidamente enrolada na sua fita vermelha, e às pequenitas livros infantis ilustrados que todos os anos me oferecm. Apenas abri uma exceção para o meu filho que queria um anel. Custou-me cerca de 50 € e expliquei-lhe que tinha também um valor simbólico, o de mudança que ele está tentando levar a cabo com tantas dificuldades. A minha cadelinha foi presenteada com uns arreios para susbstituir a coleira que tinha e que penso que a magoava.

O jantar de Natal foi, este ano, foi feito a meias com uma das minhas irmãs e foi também simplificado: tirando o tradicional bacalhau de que os adultos não abdicam, acabou por ser vegetariano: pasta com molho de tomate, cogumelos cozinhados em alho, azeite e coentros, batatas novas assadas em azeite e alho e esparregado de nabiças e diversos queijos. Os doces ficaram-se pelo Bolo Rei que é comprado e pela mousse de chocolate...

Não digo que não tenha tido algumas tentações consumistas, mas basta-me pensar no destralhamento e na reorganização que tenho vindo a fazer na minha casa para me ser de imediato evidente aquilo que precisaria-gostaria (porque precisar-precisar não preciso mesmo de nada) de ter.

Projetos, uns novos outros para continuar, tanto pessoais com profissionais tenho vários. E é para os realizar que tenho de me fortalecer e de me preparar.
Imagem retirada daqui.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Dia 89: Início do inverno

Embora o inverno de 2012 tenha chegado, como sempre, antes do Natal, e pontualmente no dia do seu solstício, às 11h11 do dia 21 de dezembro, a verdade é que desta vez não me dei conta. Talvez porque para mim o inverno já tivesse mesmo chegado antes.

Solstício de Inverno (imagem retirada daqui).


Neste tempo em que fui obrigada a hibernar parcialmente, como os animais e as árvores, o meu filho começou apenas a recuperar da crise, o jantar de Natal foi tranquilo e reconfortante e o sol voltou. Preciso de me recordar sempre que o início do Inverno assinala também o facto de que, em cada dia que passa, nos é oferecido mais tempo de luz.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Dia 80: Chove chuva... chove sem parar...

Pois é, há alturas em que a vida nos exige muito mais do que estamos preparados para dar e para aguentar! Eu bem tentei durante uns dias em Novembro, quatro para ser mais precisa, distanciar-me do stress e da angústia que estão a tomar conta da minha vida. Mas não foi suficiente. Agora fui proibida pelo médico de fazer outra coisa que não seja descansar e sobretudo tentar não sentir (mas como não sentir?) durante 15 dias! Sei, pela minha experiência da prática de yôga que isso é possível, mas não fácil.

Boletim metereológico: Lisboa, dezembro de 2012.

De repente o meu eu interior desabou: primeiro foi o meu filho que está a atravessar uma crise muito difícil, com a qual não sei lidar. Depois foi como se a chuva fria e fina que há tantos dias não pára de cair tivesse revelado e cruzados toda a tristeza da crise em que viv(o)emos.

Como é possível que no meu país, sejam aos milhares as crianças que vão de manhã com fome para a escola? Se vivemos na Europa rica e desenvolvida, se somos tão poucos e temos cada vez menos crianças? Como é possível que tantos avós façam tantos sacrifícios para ajudar os netos e os filhos, desempregados aos milhares? Que os muito mais velhos sejam maltratados nos lares onde as famílias os deixam morrer devagar?

Sei que tudo isto me dói muitíssimo porque me sinto impotente para tentar mudar esta situação, tanto quanto a do meu próprio filho! Não vejo o caminho de saída, a luz ao fundo do túnel! Para uma mãe, a dor de um filho é insuperável, hemorrágica e manietadora. A tentação de desistir, de largar tudo e de optar por um nada, um vazio total sem princípio nem fim, é quase irresistível! Os meus amigos dizem que sempre fui uma lutadora, mas lutar como modo de vida é para samurais, não para mim, no meio-fim da vida ainda aprendiz de simplesmente pessoa.

Não quero viver como samurai!
Não tenho vivido dias de amar a vida! É um quase-pecado, eu sei. E, por isso também, adoeci: viver em desamor com a vida é para mim contra natura.

Preciso de dias de sol, tanto como de respirar ar livre e de um abraço dos meus amigos.