terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Aprender a viver (e a amar) a velhice

As sociededes desenvolvidas do nosso tempo caracterizam-se, entre outras distorções, pelo horror  à velhice, à doença e à morte. Há muitos estudos sobre esta problemática que nos explicam como, ao longo do século XX, fomos sendo progressivamente «conduzidos» a um ideal de saúde, beleza e juventude, padronizado, inescapável e eterno. Todos devemos ser, para sempre jovens, saudáveis, sorridentes. Ao ponto de as gerações se confundirem: quem não viu já adultos e idosos pretendendo parecer 20 anos menos, pais eternamente filhos e adolescentes, crianças mandando nos pais e avós? 
Fonte.
Hoje gostaria de falar apenas do horror à velhice, um paradoxo, num tempo e num espaço em que a esperança de vida aumentou em 20-30 anos, em que há muito se estabeleceu já que a 4ª. idade compreende a faixa etária das pessoas entre os 80 e os 100 anos e em que, como se diz em Portugal, o realizador de cinema Manoel de Oliveira, agora com 105 anos, inaugurou a 5ª. idade ao continuar a realizar filmes e a conceber novos projetos... Também a ONU divide os idosos em três categorias: os pré-idosos (entre os 55 e os 64 anos), os idosos jovens (entre os 65 e os 79 anos ou os 60 e os 69 anos, para quem vive na Ásia e na região do Pacífico) e os idosos avançados (com mais de 70 ou 80 anos).

Em muitas sociedades menos desenvolvidas, os mais velhos eram e ainda são, muito respeitados e considerados uma fonte de sabedoria. Em África, diz-se que, quando um ancião morre, desaparece uma biblioteca! Independentemente do preço inerente ao reverso desta situação, em particular o peso desmesurado da tradição, o conservadorismo e o bloqueio da inovação, é hoje consensual que o envelhecimento nos parece assustar a todos de morte: crianças, jovens, adultos e evidentemente idosos. 

Negar e esconder o envelhecimento constitui uma visão decadente e contra natura de nós, seres humanos, que só pode é fazer-nos mesmo muito mal, alienando-nos da realidade e de uma vida boa. Aliás, é ainda a ONU que considera que o envelhecimento populacional deveria representar um triunfo do desenvolvimento social e da saúde pública.

Família Donadio: cinco gerações reunidas em, Cambé, Brasil.
Para construirmos uma sociedade melhor, mais criativa e harmoniosa, necessitamos de estimular e de fortalecer relações transgeracionais e intergeracionais, equilibradas e saudáveis. Porque são estas as únicas que nos garantem a coesão da comunidade: a entreajuda e o bem-estar, a transmissão de saberes múltiplos e o vigor da memória coletiva, a criatividade e o desenvolvimento artístico alargados.

Este é um texto coletivo dos muitos que, sem autor (re)conhecido, circula pela internet. Fala de nós, os mais velhos, e a respetiva autoria é tanto mais nossa, quanto lhe acrescentarmos a nossa parte. Reescrevi-o de modo a adaptá-lo ao que desejo para mim, pré-idosa de 58 anos a caminhar com alegria para jovem idosa.



Fonte.
«Não trocaria a minha vida, a minha família e os meus amigos por menos cabelos brancos ou por uma barriga mais lisa. À medida que fui envelhecendo, tornei-me mais amável para comigo mesmo, e menos crítico de mim próprio também. Tornei-me no meu grande amigo... E não me censuro por comer um cozido à portuguesa ou uns doces a mais, ou por não fazer a minha cama de manhã, ou até mesmo por comprar algo supérfluo de que não preciso. Ganhei o direito a ser, se quiser, desarrumado, extravagante e livre.

Vi amigos queridos morrerem cedo demais, antes de compreenderem e viverem a grande liberdade que o envelhecimento nos pode trazer. Quem me vai censurar, se hoje decidir ficar a ler ou a navegar na internet até às quatro horas da manhã e dormir depois até ao meio-dia? E se me apetecer dançar ao som dos êxitos dos anos 60 & 70 da minha juventude, ou se tiver vontade de chorar por um amigo ou um amor perdidos? Ou se quiser andar na praia com uns confortáveis calções de licra, talvez demasiado esticados sobre um corpo envelhecido e mergulhar nas ondas com abandono? Não me atingem já os olhares de censura de outros. Também eles irão um dia envelhecer.

Bem sei que às vezes, algumas vezes muitas vezes, me esqueço de pessoas, factos, coisas. Mas é que há mesmo pessoas, factos e coisas que devem ser esquecidos. Contudo, recordo-me muito bem das coisas verdadeiramente importantes da vida.

Devo dizer que, ao longo dos anos, várias vezes o meu coração foi destroçado. Como não se pode partir um coração, quando se perde um ente querido, ou quando uma criança sofre, ou quando algum animal de estimação amado nos morre? Mas corações partidos são os que nos dão força, compreensão e compaixão. Um coração que nunca sofreu é imaculado e estéril e nunca conhecerá a alegria de ser imperfeito. Ou seja, de ter vivido uma vida verdadeira e plena.

Sinto-me abençoado por ter vivido o suficiente para ter os meus cabelos grisalhos e os risos que ri gravados para sempre no meu rosto em sulcos profundos. Muitos nunca riram o suficiente e tantos morreram antes dos primeros cabelos prateados... Conforme envelhecemos e se estivermos abertos a uma aprendizagem permanente, pode ser muito fácil tornarmo-nos positivos. Preocuparmo-nos menos com o que os outros pensam e não nos questionarmos sobre coisas insignificantes. E mais, com a idade ganhámos também o direito a errar. E a perdoarmo-nos os nossos erros.

Quero deste modo afirmar que gosto de ser idoso. A idade libertou-me. Gosto da pessoa em que me tornei. Não vou viver para sempre, mas, enquanto viver, não vou perder tempo a lamentar-me sobre o que poderia ter sido, ou preocupar-me com o que será que (me) vai acontecer. Quero sorrir todos os dias, muitas vezes, caminhar tranquilamente, estar com os amigos e, se me apetecer, comer um pastel acompanhado com um bom vinho.»



2 comentários:

  1. Maria,
    Dê uma olhada no link abaixo, se puder.... A foto e os depoimentos dos seguidores de Jeffry Life... Você sabia que existe clínica para "gerenciamento de idade"? E olha que não é matéria recente! Apesar do Brasil ser a meca das cirurgias plásticas, e estarmos habituados a todo tipo de absurdo, esse senhor norte-americano surpreendeu-me!
    Esse trecho do seu texto :"Negar e esconder o envelhecimento constitui uma visão decadente e contra natura de nós, seres humanos, que só pode é fazer-nos mesmo muito mal, alienando-nos da realidade e de uma vida boa" não fará qualquer sentido para eles.

    Nós somos muitos e ***muito*** diferentes.

    http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL916852-5603,00-BUSCA+PELA+ETERNA+JUVENTUDE+PRODUZ+VOVOS+MALHADOS+A+BASE+DE+HORMONIO.html

    ResponderEliminar
  2. Qrda anonimazinha:

    Li o texto que me indicaste, mas essa leitura apenas fez com que eu confirmasse aquilo em que acredito: um envelhecimento digno e com qualidade de vida nada tem que ver com médicos e gurus que nos dizem que, para vivermos bem essa fase das nossas vidas, temos que absurdamente fazer cirurgias drásticas que nos façam ser quem não somos, dietas alimentares agressivas e exercícios físicos violentos...

    É evidente que eu não sou de maneira nenhuma contra qualquer uma dessas opções, desde que tal seja bem pensado e feito com sensatez: uma boa alimentação acompanhada de exercício físico regular e adaptado ao nosso corpo e idade, e mesmo uma intervenção cirúrgica corretiva constituem, sem sombra de dúvida, apostas numa vida qualitativamente melhor. Cuidarmos de nós próprios inclui com certeza, para além de um plano de saúde, um investimento no nosso aspeto físico, mas também no nosso eu emocional e psicológico.

    Mas nada disto tem que ver com a necessidade de aprendermos a viver e a amar o nosso progressivo envelhecimento o qual, pelo menos para mim e até hoje, tem sido uma fonte de descoberta, alegria, força e autoconfiança. Que mais posso eu então desejar?

    Bjs

    ResponderEliminar