terça-feira, 29 de outubro de 2013

Aprofundar uma opção de vida minimalista 2: preparar um salto em frente

Entre cuidar de quem precisa de mim e simultaneamante de mim própria, foi-me necessário inventar um equilíbrio que ainda estou a ensaiar. Como o tempo em que tenho de descansar fisicamente aumentou agora muitíssimo, preencho-o com a leitura, a escrita e a reflexão. Procuro ainda integrar neste tempo um tempo de meditação, uma prática yogui que  permite o descanso mental, racional e emocional. Com o devido treino e persistência, é-nos possível «entrar» numa espécie de «nada» que nos liga diretamente ao nosso eu interior. Não consigo explicá-lo melhor, mas a serenidade que advém desta prática é muitíssimo revigorante. Provavelmente insubstituível.

Tenho, assim, aproveitado para ler muito sobre as atitudes alternativas ao estado deste «nosso» mundo: das cidades em transição ou transition towns, às comunidades alternativas, do consumo consciente à opção por uma vida minimalista, simples e frugal, mais autêntica e eticamente exigente.

Penso que, em geral, a adesão mais impulsiva ao minimalismo tem origem numa tristeza tão profundamente enterrada dentro de nós próprios que dela não damos conta. Só nos apercebemos, e mal, de uma permanente insatisfação com a vida que vivemos, num espanto que cresce ao longo dos anos em que se vai tornando num gigantesco e evidente SIM em resposta à pergunta: «então viver é só isto»?

Contudo, a razão mais próxima é a vontade de redução de um consumo que nos sufoca porque nos rouba energia (dinheiro, tempo, vitalidade), na medida em é da sua natureza provocar-nos uma insatisfação permanente. Daí a vontade de controlar o nosso espaço vital, mais concretamente a nossa casa, o exemplo concreto da entropia que, ao invés de nos compensar e nos fortalecer, está sempre demasiado «entulhada» e desordenada, e a exigir cuidados e trabalhos, sempre repetidos e sempre sem fim. Todos os dias da vida.

A redução do consumo inconsciente por questões de endividamento, por vezes muitíssimo dolorosas, é outra das razões de adesão ao minimalismo, e pode ser ainda mais aliciante quando encontramos uma comunidade que nos assegura e comprova, por A + B, que «ter» não é «ser».

É neste contexto que «Um ano sem compras» se torna num desafio, num jogo até, tanto mais que, em princípio, nos traz só vantagens. O mesmo se passa com o destralhamento e a organização da casa: «três objetos por dia», meia hora de pomodoro, também outro desafio e outro jogo que eu aliás vivi com gosto. Sendo que ambos são por vezes também um pretexto para renovar o guarda roupa e para redecorar a casa! O que em si não deixa de ser importante. É de nós e do nosso espaço vital que aqui se trata, e não podemos gostar de nós da mesma maneira aos vinte, aos trinta, aos quarenta, aos cinquenta anos!

Todavia, para mim, o grande salto qualitativo vem depois destes projetos, ou seja, ultrapassados estes desafios e experiências, um ano depois, o que mudou efetivamente em nós e nas nossas vidas? O que queremos viver em termos de consumo, rotina, dádiva, participação na comunidade, serenidade, alegria de viver, sabedoria?
A partir de uma pesquisa no Google imagens sem possibilidade de identificação exacta.
Penso que este caminho, uma vez conscientemente iniciado, só pode ser depois para sempre. Sobretudo na minha idade, em que uma grande parte deste caminho já o tinha percorrido. Com hesitações, avanços e recuos, idas e vindas, com certeza. Se está tanto, quase tudo, em causa e por fazer nas nossas vidas e nas nossas comunidades...

Entre a adesão a uma vida frugal e a exigência de uma vida melhor, é aqui que estou agora.


4 comentários:

  1. Maria,
    O seu terceiro parágrafo deu um *pang* no meu coração. Eu vi escrito o que tenho pensado e refletido sozinha nos últimos meses. O minimalismo, eu acho, é mesmo uma resposta a uma tristeza profunda. De onde vem essa tristeza profunda? Eu, muito subjetivamente, penso em alguns motivos: primeiro, essa tristeza vem de nossas tentativas vãs e infrutíferas de dar um tapa no mainstream society, no qual nós mesmos estamos inseridos e contra o qual, oficialmente, podemos lutar muito pouco. O minimalismo entra aí, é uma luta-reação sem alarde, discreta, quase uma conspiração. Segundo, e ressalto que provavelmente é só um devaneio meu, essa tristeza está ligada à certeza imbatível da morte, a grande e derradeira *viagem*; o minimalismo seria uma tentativa de não sermos pegos desprevenidos - olhamos a morte de frente e podemos dizer: "estou preparada, não tenho medo, estou leve e posso ir, há tempos eu mesma aboli todos os excessos, fossem eles materiais ou emocionais, livrei-me de tudo que pudesse pesar-me na hora de ir de vez". Alguns contos antigos referem-se à morte como a Grande Ceifadeira, a Grande Foice - e não é isso que o minimalismo nos sugere, cortar para um novo recomeço? cortar para NASCER melhor? Desculpe-me se escrevi demais, também ando a procurar-me.....obrigada por compartilhar suas ideias.

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    1. Olá, anonimazinha:

      Que bom que tenha já iniciado o seu caminho na procura de uma vida melhor, num mundo em que, quantos mais o fizerem, se tornará com certeza melhor do que o encontrámos.Concordo com tudo o que diz. Vivemos num mundo que tem tudo de bom e tudo de mau, tudo de bem e tudo de mal. Compete-nos a nós escolher qual o nosso caminho, construir uma vida com sentido em que todos os dias possamos adormecer com a satisfação de termos feito o melhor possível.

      Para isso, quase todos nós temos de morrer, ao longo da vida, pequenas mortes, de modo a podermos renascer pessoas melhores. Os orientais dizem que devemos viver como se cada dia fosse o último da nossa vida, valorizando tudo o que de maravilhoso o quotidiano nos oferece. Assim, se tivermos de mudar mesmo de vida e de, pelo caminho, deixarmos pessoas que nos fazem mal, então temos de planear bem a mudança que pode não ser fácil. Esta «nossa» comunidade virtual de aprendizes de minimalismo constitui um reforço tanto em termos de informação prática como de apoio emocional. Não estamos sós. Bem-vinda!

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  2. Nossa, só conheci agora o seu site e tô encantada. Gostei muito da sua reflexão. Comecei com a ideia de ficar um ano sem comprar, mas hoje, 3 meses depois dessa "dieta, sinto que mudei muito e que quero retirar da minha vida tudo o que a atrapalha, sejam coisas, pessoas ou sentimentos. Meu objetivo maior é viver uma vida mais leve e mais simples!

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  3. Adoro o seu blog, o seu jeito de escrever. Me identifico muito com algumas coisas, embora nosso jeito de ser minimalistas e buscar uma mudança de vida seja diferente em vários momentos. Concordo com o que você escreveu: o salto qualitativo vem mesmo depois desses projetos. Pra mim tem sido assim. Você menciona também uma tristeza profundamente enterrada dentro de nós de que não nos damos conta. A minha tristeza tinha começado a se tornar tão forte e tão grande que eu estava me distanciando de quem eu era, das coisas em que acreditava. E hoje eu sinto felicidade o tempo todo. A minha felicidade comporta as alegrias e tristezas e é bem a acessível; consigo ver várias pessoas chegando a um estado de felicidade semelhante. Bjo grande

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