Nos momentos cruciais da nossa existência, em particular nas idades de passagem: da infância à adolescência, da juventude à maturidade, da meia-idade à velhice[1], em que temos de fazer opções fundamentais e quando efetuamos balanços do que fomos e somos e do que queremos ou não queremos ser, deixamos de conseguir viver a vida de todos os dias. Muitas vezes em estado de grande perturbação e em sofrimento, necessitamos de percorrer um caminho interior em direção ao centro de nós próprios, ao nosso eu, e para o fazermos precisamos de ajuda, seja através da meditação, da terapia, da introspeção, seja do que for para cada um.
Quando há mais de 25 anos comecei a estudar o papel e o significado da narração oral na evolução do homo sapiens (sim, isso mesmo: o papel dos contos e das histórias na História da humanidade!), aprendi que também a literatura, oral e escrita, nos propõe um caminho avisado para ultrapassarmos as fases difíceis das nossas vidas: aquelas em que questionamos seriamente a vida que vivemos e a pomos em causa.
Todos (re)conhecemos, ao longo da vida, a experiência da leitura ou da escuta, esta em geral sobretudo na infância, de contos como fuga para uma experiência interior. Contudo, este aparente alheamento da realidade acaba por também ser socialmente eficaz: porque enriquece e regenera[2].
Mitos e arquétipos da mulher selvagem. |
O que de fundamental os grandes contos da humanidade nos ensinam é que esses momentos constituem provas perigosas que não podem ser superadas sem se passar por um difícil e exigente processo iniciático — de iniciação à vida[4] — e é este ensinamento que constitui a razão de ser dos contos e das verdadeiras histórias e é nele que reside o seu poder e o seu fascínio[5].
Na sua estrutura mais simplificada, os contos falam-nos de um tempo e de um espaço indefinidos: «Era uma vez, num sítio distante...» onde todos os seres viviam em harmonia, num universo sem História e sem histórias para contar. Tal como as nossas vidas de todos os dias. A história só começa de facto quando o equilíbrio desse tempo-espaço é brutalmente quebrado por forças assombrosas, muitas vezes malévolas.
Depois de várias tentativas sempre falhadas de combater o grande MAL, é então convocado para acabar com o terror e o tormento, o mais humilde e pequeno de todos: nós, eu (mas eu quem? eu? EU?!). É verdade, somos mesmo nós, esse ser anódino e insignificante, quem vai ter de decidir arriscar a vida. O que acabará por fazer, depois de ultrapassar hesitações e medos.
«Heróia»? Quem? Eu? |
Isolarmo-nos da vida quotidiana é a primeira condição |
Sermos fortes, corajosos, persistentes, disciplinados é a segunda. |
Vencer o combate contra o terror, o mal e a morte é o que nos é exigido. |
A história termina com a reposição da harmonia renovada e a vida volta a pouco e pouco a tomar conta de nós... até ao próximo «Era uma vez...»
«Era uma vez...» e não era uma vez. |
Para nos reconhecermos no sentido deste discurso, recomendo vivamente quatro obras clássicas que recontam e interpretam contos matriciais da literatura universal:
Para adultos: Mulheres que correm com os lobos de Clarissa Pinkola Estés e O quarto dos horrores de Angela Carter.
Para as histórias contadas às crianças: Psicanálise dos contos de fadas de Bruno Bettelheim.
Para jovens: La vie, une aventure dont tu es le héros de Florence Bacchetta.
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Referências:
[1] RUFAT PERELLO, Hélène [1996] - Sobre las iniciaciones recuperadas. In I Congresso Nacional del libro infantil y juvenil. [Madrid] : Asociación Española de Amigos del Libro Infantil e y Juvenil.
[2] EQUIPO PEONZA [1995] - Abcdario de la animación a la lectura. [Madrid]: Asociación Española de Amigos del Libro Infantil e y Juvenil, p. 196.
[3] Cf. RUFAT PERELLÓ.
[4] Cf. RUFAT PERELLÓ.
[5] Cf. RUFAT PERELLÓ.
[6] Cf. RUFAT PERELLÓ.
[7] Cf. RUFAT PERELLÓ.
Para adultos: Mulheres que correm com os lobos de Clarissa Pinkola Estés e O quarto dos horrores de Angela Carter.
Para as histórias contadas às crianças: Psicanálise dos contos de fadas de Bruno Bettelheim.
Para jovens: La vie, une aventure dont tu es le héros de Florence Bacchetta.
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Referências:
[1] RUFAT PERELLO, Hélène [1996] - Sobre las iniciaciones recuperadas. In I Congresso Nacional del libro infantil y juvenil. [Madrid] : Asociación Española de Amigos del Libro Infantil e y Juvenil.
[2] EQUIPO PEONZA [1995] - Abcdario de la animación a la lectura. [Madrid]: Asociación Española de Amigos del Libro Infantil e y Juvenil, p. 196.
[3] Cf. RUFAT PERELLÓ.
[4] Cf. RUFAT PERELLÓ.
[5] Cf. RUFAT PERELLÓ.
[6] Cf. RUFAT PERELLÓ.
[7] Cf. RUFAT PERELLÓ.
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