quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Um dia em silêncio: ouvir(mo-nos)!

Não é evidentemente possível observar o silêncio completo num normal dia de trabalho e para mais sem avisar ninguém. É, contudo, relativamente fácil experimentarmos falar o menos possível. Este exercício é totalmente distinto do de um retiro de vários dias, onde progressivamente aprendemos a amar o silêncio ao ponto de deixarmos mesmo de ter vontade de  falar.

Mas tentar falar o menos possível durante um dia normal, confirmou-me o que eu já vivera de outras vezes, agora com mais certezas.



De uma maneira geral, as pessoas solicitam-nos muito para que as oiçamos, o que nos obriga também a falar, por pouco que seja, de modo a mostrar que estamos a acompanhar o seu discurso. Falar com sorrisos é muito importante, sobretudo para preencher os silêncios que às vezes se tornam incómodos («então, hoje por que estamos tão calados?») e para incentivar o outro a falar.

Na realidade, penso que as pessoas não estão assim tanto interessadas em ouvir, mas estão muitas vezes desesperadas por falar. Falar delas próprias, mais no sentido de se afirmarem, de sentirem que têm uma voz própria e que essa voz é ouvida. Não interessa tanto sobre o que falam, e que tanto pode ser sobre ninharias como sobre problemas muito graves, mas em geral revelam uma grande necessidade de falar sobre as  suas vidas! No fundo, precisam de dizer que existem e que estão vivas.

Não digo que não queiram saber dos outros que as rodeiam também. Mas não têm nem tempo, nem paciência, nem treino para uma escuta verdadeiramente atenta, interessada e proativa. E evitam o que lhes é doloroso. Por isso é frequente acontecer, quando alguém que está em grupo a contar uma história, ninguém se interessar mais pela continuação do seu relato, se por alguma razão for interrompido!

As pessoas gostam contudo de ouvir «casos» raramente vistos, histórias de catástrofes e de crime e castigo! Acredito que a emoção, com que deste modo vivenciam experiências difíceis por que outros passam, as protege do sofrimento.

A vida e a terapia ensinaram-me que, dispormo-nos a ouvir atenta e empaticamente os outros, nos pode fazer muito bem: é um excelente modo de oferecermos uma forma especial de carinho e de ajuda. Porque, se o fizermos como deve ser, permitimos que os outros aliviem as suas mágoas e a sua solidão e incentivamo-los a ter esperança e fé em si próprios! O que, por sua vez, reforça a nossa própria autoconfiança, em nós e na vida. Apenas temos de controlar a dádiva de modo a não nos exaurirmos com o peso dos males dos outros!

Por outro lado, penso que o facto de nós aqui em Portugal estarmos a atravessar uma crise, que se tem alargado a cada vez mais pessoas que a sentem cada vez mais no quotidiano e na alma, gerou uma espécie de grande queixa coletiva que se aproxima muitas vezes da revolta. Pelo menos no tom em que é expressa.

As 40 horas de trabalho semanais, a que os funcionários públicos são agora obrigados no nosso país, representam, entre outras dificuldades, uma dura perda de liberdade. As pessoas sentem-na vivamente, enquanto retrocesso civilizacional e de bem-estar, e as horas a mais são experenciadas como uma prisão sem qualquer espécie de sentido. De par com a perda de horas livres, a antecipação da falta de sol e do inverno são já encaradas como fonte de angústia e de depressão. Não admira por isso que as conversas girem obsessivamente em torno dos efeitos nefastos de tantas horas roubadas à vida, e sobre a mudança da hora, que tem lugar no final deste mês, o que fará com que a noite escura aumente a cada dia que passa, até ao solstício de inverno. Que é só o princípio do inverno.

Nestes tempos do ano da graça de 2013 não há quase lugar para o humor, nem para o riso, muito embora todos os dias nos seja oferecido um outono resplandecente, com um sol branco e brilhante num céu perfeitamente azul. E, contudo, é aí mesmo a este outono tépido e cheio de luz que temos de ir buscar a energia para nos rirmos e para darmos efetivamente conta do tanto com que somos abençoados.

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